Roça Estadual da Juventude: Fortalecimento e valorização das sementes tradicionais e dos conhecimentos da produção orgânica
Meu nome é Raquel Pereira Viana, tenho 24 anos, sou jovem liderança do povo Wapichana. Nasci e cresci na Comunidade Indígena Tabalascada, localizada no Território Indígena Tabalascada, região Serra da Lua, município de Cantá, estado de Roraima, Brasil. Atuo há quase cinco anos no Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização na qual, atualmente, exerço a função de coordenadora do Departamento da Juventude Indígena. Nesse espaço, desenvolvemos e implementamos linhas de atuação voltadas para:
- Sustentabilidade e proteção territorial;
- Fortalecimento político da juventude indígena;
- Promoção da saúde mental e do bem viver em nossas comunidades.
Minha trajetória se insere no movimento de fortalecimento do protagonismo jovem indígena, articulando ações que visam não apenas a preservação cultural e territorial, mas também a construção de alternativas que garantam o futuro da juventude e dos povos indígenas em Roraima.
O Departamento da Juventude é estruturado a partir de uma coordenação central, responsável pela organização e articulação geral das ações. Sua atuação é descentralizada por meio das coordenações regionais da juventude e dos coordenadores locais, que desempenham papel estratégico dentro dos territórios.
Esses agentes têm como principal responsabilidade a execução de iniciativas voltadas para o fortalecimento, valorização e multiplicação das sementes tradicionais, também conhecidas como sementes nativas. A Roça Estadual da Juventude Indígena de Roraima representa um marco na valorização das sementes tradicionais e na construção de alternativas sustentáveis de produção. O projeto reafirma a centralidade da juventude indígena na defesa do território, as ações desenvolvidas buscam garantir a preservação da agrobiodiversidade, o fortalecimento cultural e a promoção da soberania alimentar nos territórios indígenas, assegurando o protagonismo da juventude nesses processos na consolidação da produção orgânica como estratégia de luta e resistência cultural.
A juventude indígena de Roraima desempenha historicamente um papel essencial na proteção e gestão dos territórios indígenas, atuando de forma articulada junto às lideranças tradicionais. Desde cedo, os jovens estão inseridos nas atividades familiares e comunitárias voltadas para a produção de alimentos, prática que, na cultura indígena, está diretamente relacionada à preservação e restauração dos ecossistemas.
Essa participação evidencia não apenas a continuidade dos saberes ancestrais, mas também a responsabilidade das novas gerações na manutenção da soberania alimentar, da sustentabilidade ambiental e da resistência cultural dos povos indígenas de Roraima.
Minha atuação junto à juventude indígena teve início em 2019, como coordenadora local de juventude em minha comunidade. Nesse período, trabalhei intensamente no engajamento de jovens no movimento indígena, sempre valorizando o protagonismo juvenil e incentivando a criação de projetos locais voltados à sustentabilidade. O movimento indígena de Roraima despertou em mim a percepção de que sonhos coletivos poderiam ser alcançados por meio da ação conjunta de jovens, tanto de minha própria comunidade quanto de outros territórios. Nesse sentido, minha atuação inicial com os jovens de minha comunidade representou um auto-desafio, permitindo-me desenvolver habilidades e confiança para assumir espaços de liderança enquanto jovem, mulher e indígena. Essa experiência evidencia como o engajamento local pode se transformar em protagonismo ampliado, fortalecendo a participação da juventude indígena em iniciativas políticas, sociais e culturais em escala regional.
Em 2020, fui indicada por lideranças jovens indígenas de Roraima para atuar no Conselho Indígena de Roraima (CIR), iniciando minha trajetória como assessora do Núcleo da Juventude. Posteriormente, em 2022, fui eleita coordenadora estadual da juventude indígena de Roraima, função que, em 2024, teve sua nomenclatura alterada para o cargo que atualmente exerço: coordenadora do Departamento da Juventude Indígena do CIR.
Essa trajetória reflete meu compromisso com a formação, organização e fortalecimento da juventude indígena, promovendo iniciativas que conectam o engajamento político, a sustentabilidade e a valorização cultural das comunidades de Roraima.
Atuação nos Territórios Indígenas
No âmbito do Conselho Indígena de Roraima (CIR), tive a oportunidade de participar de diversas ações com a juventude indígena, abrangendo áreas como sustentabilidade, fortalecimento político da luta dos povos indígenas, e saúde mental e bem viver das comunidades. Durante minha trajetória na organização, acompanhei a implementação de vários projetos desenvolvidos pelos jovens nos territórios indígenas, contribuindo para o planejamento, execução e monitoramento das atividades.
Além da minha atuação, diversos jovens líderes indígenas desempenham papel fundamental na execução prática dessas iniciativas. As coordenações regionais de juventude e suas equipes atuam diretamente na implementação de projetos como a Roça Estadual da Juventude, englobando jovens de nove regiões: Amajari, Alto Cauamé, Baixo Cotingo, Murupu, Serra da Lua, Serras, Surumu, Tabaio e Waiwai. No início, aproximadamente 40 jovens participaram de forma contínua e comprometida.
Durante a Assembleia Estadual da Juventude Indígena de Roraima, assumimos um compromisso maior: não nos limitar a palestras ou debates sobre sustentabilidade, mas agirmos na prática, demonstrando os resultados concretos das produções obtidas por meio do esforço coletivo. Nosso objetivo é mostrar às lideranças tradicionais o comprometimento da juventude com os territórios e reforçar a responsabilidade de continuar fortalecendo a essência comunitária e os saberes indígenas.
Criação e Implementação da Roça Estadual da Juventude Indígena de Roraima – A continuidade dos saberes indígenas a passos lentos mas passos firmes
Em 2022, surgiu a proposta de construção da Roça Estadual da Juventude Indígena de Roraima, com o objetivo de fortalecer e resgatar as sementes tradicionais presentes nos territórios indígenas. O projeto foi planejado para envolver jovens de todas as regiões base do Conselho Indígena de Roraima (CIR), com a visão de que cada participante pudesse contribuir ativamente e posteriormente multiplicar o conhecimento e a experiência em suas próprias regiões.
A primeira iniciativa ocorreu no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, na região Surumu, onde foram plantadas milhos e manivas. Contudo, os resultados não foram os esperados devido às condições desfavoráveis do solo, representando um aprendizado importante para as etapas seguintes do projeto. Durante a implementação inicial do projeto, enfrentamos desafios significativos relacionados às condições do solo, que era caracterizado por barro duro e seco, com grande dificuldade de retenção de água. Esse contexto exigia um preparo cuidadoso e adequado para viabilizar o cultivo de forma totalmente orgânica, sem o uso de agrotóxicos. No entanto, devido à falta de recursos e apoio técnico, não foi possível tratar o solo de forma eficiente. Como consequência, as plantações não se desenvolveram como esperado, evidenciando a necessidade de investimentos em manejo e preparo do solo para que futuras iniciativas pudessem alcançar resultados satisfatórios e garantir o sucesso da produção de sementes nativas.
Em 2023, o projeto foi realocado para a região Raposa, atualmente situado no Centro Regional Lago Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. As atividades tiveram início em fevereiro de 2023, coordenadas na época pelo jovem líder Paulo Ricardo, que esteve na linha de frente, apoiando a condução e execução do projeto. Em outra etapa do projeto, contamos com um solo fértil, com boa composição de areia, que facilitou o manejo e o desenvolvimento das plantas. A fertilidade do solo foi potencializada por meio de adubações realizadas pelos próprios jovens, garantindo práticas sustentáveis e orgânicas.
Além disso, o acesso mais próximo à água permitiu irrigação feito manualmente e diariamente pelos jovens, esse manejo foi essencial para o crescimento saudável das culturas. Todo o plantio foi conduzido de forma totalmente orgânica, reforçando o compromisso do projeto com a preservação das sementes nativas, a sustentabilidade ambiental e a formação prática da juventude indígena em técnicas de cultivo responsável.
O projeto contou com a participação de aproximadamente 40 jovens provenientes de sete regiões: Raposa, Amajari, Serra da Lua, Serras, Murupu, Tabaio e Baixo Cotingo. Esses jovens eram responsáveis pela execução diária das atividades da roça, organizadas de forma estruturada, incluindo o preparo do solo, plantio e cuidados com as sementes. Durante todo o processo, foi mantido um diálogo constante com a juventude sobre a importância da roça, reforçando que a iniciativa não apenas garante a preservação das sementes tradicionais, mas também representa uma essência de luta e resistência pelos territórios indígenas, consolidando a conexão entre sustentabilidade, cultura e protagonismo jovem.
Resultados e Estrutura da Roça Estadual da Juventude Indígena de Roraima
No decorrer do projeto, realizamos o plantio de diversas variedades de sementes tradicionais, incluindo milho, macaxeira, mandioca, batata roxa e branca, pimentas e hortaliças. Os resultados foram positivos, refletindo o esforço coletivo da juventude indígena, e foram apresentados às lideranças tradicionais durante as assembleias gerais dos Tuxauas (caciques e líderes maiores).
Algumas sementes, como milho e manivas, foram posteriormente doadas a comunidades e regiões que sofreram perdas em suas plantações durante a escassez iniciada em 2024, demonstrando o impacto direto do projeto na segurança alimentar e na preservação das sementes tradicionais.
Além da área de plantação, em 2024, iniciamos a construção de uma casa de farinha com uma sala destinada ao armazenamento das sementes produzidas na roça. A estrutura ainda está em fase de conclusão e será inaugurada após a finalização das obras. A construção desse espaço representa um sonho coletivo, concretizado através do esforço e dedicação de muitos jovens e lideranças indígenas, simbolizando a capacidade de articulação, cooperação e compromisso com a preservação dos territórios.
Por meio do projeto da Roça Estadual da Juventude Indígena de Roraima, temos avançado significativamente na reconexão com os saberes tradicionais. O programa Restoration Stewards representa uma oportunidade importante para dar continuidade ao compartilhamento de conhecimentos, práticas e vivências, promovendo intercâmbio com comunidades e redes de pessoas com experiência em restauração de ecossistemas nos territórios indígenas. Para mim e para os jovens indígenas, a multiplicação de sementes nativas nos territórios simboliza o fortalecimento das nossas raízes e a manutenção viva da ancestralidade e das riquezas culturais tradicionais que atravessam gerações. Assumimos a responsabilidade de preservar e transmitir essas práticas culturais por meio de ações concretas, garantindo que nossas sementes continuem vivas e se multipliquem, beneficiando muitas gerações nos territórios indígenas.