Restaurando a Caatinga: Revivendo a Natureza na Fazenda Agroecológica Xique-Xique

Meu nome é Maria Geane, tenho 30 anos, e sou filha de pequenos agricultores da Caatinga Brasileira.

Junto do meu irmão, Gean, sou responsável pela administração da Fazenda Agroecológica Xique-Xique, uma iniciativa familiar com a missão de restaurar o nosso território por meio de práticas agroflorestais. Nossa família é parte do Quilombo Lagoas no território da Serra da Capivara, no estado do Piauí, no nordeste brasileiro. 

Os quilombos são santuários construídos pelas mãos de africanos escravizados e de seus descendentes que escaparam do sistema escravocrata no Brasil colonial. Essas comunidades tradicionais emergiram das sombras da escravidão, oferecendo refúgio onde a liberdade prosperou e a resistência floresceu.

Enraizadas em laços ancestrais, esses territórios são bastiões da resistência cultural e sediam uma rica vida comunitária. A Comunidade Quilombola Lagoas abrange mais de 100 assentamentos em 62.365,8 hectares. Sendo o quarto maior território quilombola do Brasil, a nossa comunidade abrange seis municípios na bacia do rio Piauí, representando um profundo legado de força e unidade.

Eu e minha família sempre tivemos uma profunda conexão com o nosso território, trabalhando com agricultura e criação de pequenos animais. Em 2016, nós decidimos trabalhar com a agrofloresta para recuperar nossas terras.  Nosso sonho ao embarcar nessa jornada era de recuperar e conservar as terras degradadas de nossa propriedade, além de servirmos de exemplo para outros jovens e famílias agricultoras buscando uma relação mais saudável com a natureza. 

Desde que começamos com o nosso projeto agroflorestal, com a intenção de compartilhar com o mundo as nossas experiências, já recebemos visitas de mais de 200 pessoas de escolas, universidades e associações de produtores rurais.

Registros de meu irmão, Gean, e de mim mesma trabalhando com as primeiras mudas de plantas nativas e frutíferas de nosso projeto agroflorestal. Crédito da imagem: Maria Magalhães

Uma história de resiliência familiar: A fazenda Xique-Xique

A nossa fazenda tem seu nome em homenagem a uma planta endêmica da Caatinga, o Xique-Xique (Pilocereus gounellei). Esse cacto, que se tornou um símbolo icônico do Nordeste brasileiro e uma fonte de inspiração para o trabalho de restauração que conduzimos,  é principalmente caracterizado  pela sua resiliência nos solos rasos e pedregosos da região semiárida, que recebe baixa precipitação.  

O Xique-Xique é utilizado pelos agricultores sertanejos da região como alternativa para saciar a sede e a fome dos animais no períodos de grandes estiagens. Sua flor exuberante alimenta insetos e mariposas durante o seu desabrochar noturno e seu fruto vermelho de perfume agradável alimenta pássaros e outros animais silvestres da Caatinga.

A nossa propriedade está em nossa família por gerações, sendo uma herança dos nossos avós, que em sua época trabalhavam com agricultura de sequeiro, plantando milho, feijão e mandioca. Utilizando práticas convencionais de cultivos, centrados no desmatamento e no uso de fogo para abrir novas áreas de plantio,  que continuam a serem seguidos até hoje por maioria dos agricultores de nossa região,  o modelo pouco sustentável seguido por nossos avós nos deixou uma área extensa de capoeiras em degradação na nossa propriedade. 

Defrontados com essa situação, nossa inquietude com o estado de nossa terra nos motivou a buscar alternativas que pudessem regenerar as nossas  áreas  de capoeira que vem a cada dia perdendo mais e mais  sua biodiversidade.

Foto de nossa mãe na área do projeto antes de iniciarmos nossas atividades de restauração. Crédito da imagem: Gean Magalhães

Consolidando o movimento agroflorestal no Semiárido Piauiense

Eu e meu irmão vimos na agrofloresta uma alternativa viável de regenerar nossas áreas degradadas, e decidimos adotar esse modelo para a integridade da nossa produção. Há oito anos, demos os primeiros passos para a nossa transformação ao inaugurar nossa primeira área experimental.

Atualmente, nosso projeto já conta com quatro áreas de implementação agroflorestal, duas dessas dedicadas para produção de alimentos vegetais, e as remanescentes baseadas em sistemas silvipastoris para produção pecuária.

A diversidade de espécies em nosso sistema agroflorestal demonstra a possibilidade e a beleza de criar sistemas de produção agrícolas enraizados na biodiversidade. Crédito da imagem: Gean Magalhães

Árvore de acerola presente em nossa agrofloresta, antes uma área degradada até o ponto de improdutividade. Crédito da imagem: Gean Magalhães

Ao incorporar práticas que beneficiam tanto a natureza quanto populações locais por meio de uma filosofia agroflorestal,  queremos  trazer para nossa região inspiração  para que mais agricultores também repensem as práticas destrutivas ao meio ambiente que adotam.  

Queremos assim catalisar um movimento que fortaleça outros produtores da região para que possamos regenerar e trazer de volta a nossa caatinga tão querida.  Esperamos que nosso trabalho inspire muitas pessoas no semiárido Piauiense e ao redor do mundo, fortalecendo um movimento de regeneração  das nossas áreas degradadas. Ao mesmo tempo, por meio de nossas práticas agroflorestais estamos melhorando a  segurança alimentar e nutricional de populações locais,  além de gerar renda  para nosso povo do semiárido.

Eu e meu irmão liderando atividades de plantio no sistema agroflorestal de nossa propriedade. Crédito da imagem: Alaisa Santana

Participar  do programa Restoration Stewards tem uma importância ímpar para o nosso projeto, pois nos trará a possibilidade de potencializar o nosso trabalho e engajar  novas pessoas no  movimento de regeneração  da Caatinga através dos sistemas agroflorestais.

Nossa proposta para 2024 é restaurar 2 hectares de área degradada em nosso território,  que anteriormente foi uma área de lavoura de mandioca utilizando práticas convencionais  de cultivo. A ausência de responsabilidade no manejo da terra levou essa área a virar uma área de capoeira, além de diretamente impactar a biodiversidade aí presente.

Esse esforço de restauração dialoga diretamente com o nosso projeto de futuro na fazenda Xique-Xique, que é regenerar gradualmente todas as nossas áreas  que sofreram desmatamento severo pelas nossas gerações anteriores. Queremos que nossas agroflorestas, com sua diversidade de plantas nativas frutíferas e forrageiras, sirvam como uma inspiração para que mais membros de nossa comunidade também se envolvam na onda de transformação necessária para o estabelecimento de sistemas alimentares centrados na ecologia e na justiça social.

Eu e nossa colaboradora, Alaísa, em um dos nossos projetos de restauração. Créditos da imagem: Gean Magalhães

Bem vindos a nossa jornada. Juntos, criaremos caminhos para um mundo melhor para todos!

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