Conservação da Caatinga: O papel de comunidades locais na restauração do Semiárido Brasileiro

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No semiárido brasileiro, enfrentamos longos períodos de secas – em alguns casos mais extremos, algumas partes da região chegam a experienciar quase em sete meses sem chuva.  Embora a vegetação predominante da Caatinga esteja adaptada à aridez e seja composta por arbustos e plantas xerófilas, que naturalmente buscam armazenar água, a falta de chuva ainda é um desafio para a terra e para aqueles que dependem dela para suas vidas. 

Os crescentes períodos sem chuvas são uma grande preocupação para aqueles que dependem da terra para sua subsistência. Como as chuvas se concentram em três ou quatro meses irregulares, geralmente do final de novembro ao início de abril, a agricultura, a pecuária e o modo de vida local são completamente influenciados pela quantidade de água em nosso clima semiárido. 

Olá, meu nome é Maria Geane Bastos e trabalho com agrofloresta e agroecologia junto com minha comunidade para restaurar as nossas terras. A missão de preservar a biodiversidade desse ecossistema é extremamente desafiadora devido à baixa pluviosidade e à alta taxa de evaporação em função das altas temperaturas. A exposição significativa ao sol também resulta em um balanço hídrico negativo, tornando a água ainda mais escassa. 

Além de ser mais suscetível a eventos climáticos extremos, a Caatinga sofre com a degradação causada pelo desmatamento para a produção agrícola, a criação descontrolada de gado e a mineração. Diante desse cenário desafiador, os sistemas agroflorestais podem ser uma forma de preservar esse importante bioma.

O poder dos sistemas agroflorestais é facilmente visível em minha comunidade em Quilombo Lagoas, no estado do Piauí, que atualmente está sofrendo com a expansão das atividades de mineração em nosso território. As iniciativas agroflorestais estão ajudando a reflorestar áreas degradadas no Quilombo, e essas mesmas práticas permitiram que nossa comunidade se tornasse a maior produtora de mel orgânico do Piauí.

Sistemas agroflorestais como prática de resistência à degradação

          Área em reflorestamento no Quilombo Lagoas.  Foto: Maria Geane Bastos.

Meu irmão, Gean Bastos, e eu estamos reflorestando áreas degradadas de nossa propriedade e tentando motivar outras pessoas de nossa comunidade a trabalhar na restauração de suas terras. Nossos esforços também foram além das cercas de nossa propriedade: com o apoio da BrazilFoundation, estamos trabalhando na implementação de sistemas agroflorestais em três núcleos territoriais, localizados nos municípios de São Raimundo Nonato, Paulistana e Canto do Buriti. Cinco sistemas agroflorestais serão implementados nesses núcleos em colaboração com produtores locais que, espera-se, servirão como multiplicadores de práticas sustentáveis em suas comunidades. 

Os três municípios de nosso programa também são atendidos pela Associação dos Produtores Agroecológicos do Semiárido do Piauí (APASPI), uma associação participativa de certificação orgânica. A associação, com 180 famílias participantes, tem como objetivo ajudar os produtores locais a obter a certificação orgânica, aumentando suas oportunidades de mercado ao fornecer certificação sustentável e de baixo custo para sua produção agrícola.

Acreditamos que a implementação de sistemas agroflorestais nessas comunidades servirá de modelo para o surgimento e o desenvolvimento de outros projetos como o nosso. Esses esforços são espaços para a construção de solidariedade entre os produtores rurais, por meio de reuniões semanais on-line e programas de intercâmbio entre os agricultores para treiná-los e discutir a implementação de sistemas agroflorestais. Isso fortalece a troca de conhecimento entre as comunidades e promove técnicas agrícolas mais sustentáveis. 

              Encontro online com agricultores parceiros. Foto: Gean Bastos.

Como parte de nossos esforços para expandir o alcance das práticas agroflorestais na Caatinga, tive o prazer de conversar com representantes de comunidades envolvidas no projeto da BrazilFoundation. Nessas sessões digitais, compartilhei minha experiência com a agrofloresta e sua importância para a preservação da Caatinga e, talvez o mais importante, discuti como a agrofloresta pode ajudar as pessoas a produzir alimentos e, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade local.

Na prática, estamos produzindo mudas de plantas nativas e forrageiras para restaurar uma área degradada de nossa propriedade.  Para incentivar mais pessoas do Quilombo Lagoas a participarem dessa onda de transformação, construímos um viveiro com uma bomba de água automatizada para facilitar a irrigação das mudas e reduzir a mão de obra necessária nesse processo de plantio.

Produção de mudas nativas na Fazenda Agroecológica Xique-Xique. Foto: Gean Bastos.

Restaurando a Caatinga combinando espécies nativas e não nativas

No sistema agroflorestal da Fazenda Agroecológica Xique-Xique, trabalhamos com uma diversidade de espécies de plantas nativas e forrageiras para regenerar áreas degradadas. Por meio desse processo de restauração, nosso objetivo é trazer de volta a vegetação nativa e integrar plantas forrageiras e frutíferas adaptadas à região. 

Entre as árvores frutíferas, plantamos umbuzeiro (Spondias tuberosa), uma planta que simboliza a resiliência na região semiárida. Sua flor é uma fonte vital de forragem para as abelhas durante o período mais crítico da seca, e seu fruto, de sabor único, é rico em ferro e vitaminas, sendo presença constante na mesa do sertanejo. 

Outra espécie importante é o caju (Anacardium occidentale), que se adapta bem ao semiárido e cujas flores também são uma importante fonte de néctar para as abelhas durante a estação seca. Seu fruto tem vários usos, tanto o pedúnculo quanto a castanha são valiosos para a alimentação das famílias. Também utilizamos a ata (Annona squamosa), uma fruta sazonal muito apreciada no nordeste.

Entre as espécies forrageiras, trabalhamos com a gliricídia (Gliricidia sepium), uma planta leguminosa não nativa que oferece floração semelhante à das abelhas durante as secas e tem grande potencial para a produção de biomassa, que pode ser posteriormente utilizada para a geração sustentável de energia ou como fertilizante orgânico. Sua poda ajuda a cobrir o solo e a fixar o nitrogênio. Também é usada como forragem para alimentar animais. A palma (Opuntia sp), planta cactácea altamente adaptada à região semiárida, retém grande quantidade de água, criando condições para o abastecimento do sistema por meio de podas e raízes superficiais. 

Entre as espécies nativas, destacamos a aroeira (Schinus terebinthifolia), árvore medicinal com potencial apícola, que ajuda a compor os estratos do sistema como planta emergente. O pau-ferro (Caesalpinia ferrea), amplamente utilizado na medicina tradicional, também possui flores apícolas muito apreciadas, e suas vagens são utilizadas na suplementação animal devido ao seu alto teor de minerais. 

Por fim, o ipê (Handroanthus impetiginosus ), além de seu valor medicinal e de sua madeira de alta qualidade, é uma flor apícola fundamental durante a escassez, no final da seca, e é uma importante fonte de alimento para as abelhas.

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